Homenagem aos Indígenas
(Gonçalves Dias)
Quando o sol vai dentro d’água
Seus ardores sepultar,
Quando os pássaros nos bosques
Principiam a trinar;
Eu a vi que se banhava…
Era bela, ó Deuses, bela,
Como a fonte cristalina,
Como a luz de meiga estrela.
Ó Virgem, Virgem dos Cristãos formosa,
Porque eu te visse assim, como te via,
Calcara agros espinhos sem queixar-me,
Que antes me dera por feliz de ver-te.
O tacape fatal em terra estranha
Sobre mim sem temor verá erguido;
Dessem-me a mim somente ver teu rosto
Nas águas, como a lua, retratado.
Eis que os seus loiros cabelos
Pelas águas se espalhavam,
Pelas águas, que de vê-los
Tão loiros se enamoravam.
Ela erguia o colo erbúneo,
Porque melhor os colhesse;
Níveo colo, quem te visse,
Que de amores não moresse!
Passara a vida inteira a contemplar-te,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa,
Sem que dos meus irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do Boré que incita à guerra
Me infiltrasse o valor que m’hás roubado,
Ó Virgem, loira Virgem tão formosa.
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Às vezes, quando um sorriso
Os lábios seus entreabria.
Era bela, oh! mais que a aurora
Quando o rair principia.
Outra vez — dentre os seus lábios
Uma voz se desprendia;
Terna voz, cheia de encantos,
Que eu entender não podia.
Que importa? Esse falar deixou-me n’alma
Sentir d’amores tão sereno e fundo,
Que a vida me prendeu, vontade e força.
Ah! que não queiras tu viver comigo,
Ó Virgem dos Cristãos, Virgem formosa!
Sobre a areia, já mais tarde
Ela surgiu toda nua;
Onde há, ó Virgem, na terra
Formosura como a tua?
Bem como gostas de orvalho
Nas folhas de flor mimosa,
Do seu corpo a onda em fios
Se deslizava amorosa.
Ah! que não queiras tu vir ser rainha
Aqui dos meus irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem dos Cristão formosa.
Odeio tanto aos teus, como te adoro;
Mas queiras tu ser minha, que eu prometo
Vencer por teu amor meu ódio antigo,
Trocar a maça do poder por ferros
E ser, por te gozar, escravo deles.
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