A Voz do Dono e o Dono da Voz
Chico Buarque
Até quem sabe a voz do dono
Gostava do dono da voz
Gostava do dono da voz
Casal igual a nós, de entrega e de abandono
De guerra e paz, contras e prós
Fizeram bodas de acetato - de fato
Assim como os nossos avós
De guerra e paz, contras e prós
Fizeram bodas de acetato - de fato
Assim como os nossos avós
O dono prensa a voz,
A voz resulta um prato
Que gira para todos nós
A voz resulta um prato
Que gira para todos nós
O dono andava com outras doses
A voz era de um dono só
A voz era de um dono só
Deus deu ao dono os dentes
Deus deu ao dono as nozes
Deus deu ao dono as nozes
Às vozes Deus só deu seu dó
Porém, a voz ficou cansada após
Cem anos fazendo a santa
Porém, a voz ficou cansada após
Cem anos fazendo a santa
Sonhou se desatar de tantos nós
Nas cordas de outra garganta
Nas cordas de outra garganta
A louca escorregava nos lençóis
Chegou a sonhar amantes
E, rouca, regalar os seus bemóis
Em troca de alguns brilhantes
Chegou a sonhar amantes
E, rouca, regalar os seus bemóis
Em troca de alguns brilhantes
Enfim a voz firmou contrato
E foi morar com novo algoz
E foi morar com novo algoz
Queria se prensar,
Queria ser um prato
Girar e se esquecer, veloz
Queria ser um prato
Girar e se esquecer, veloz
Foi revelada na assembléia - atéia
Aquela situação atroz
Aquela situação atroz
A voz foi infiel, trocando de traquéia
E o dono foi perdendo a voz
E o dono foi perdendo a voz
E o dono foi perdendo a linha - que tinha
E foi perdendo a luz e além
E foi perdendo a luz e além
E disse: "Minha voz, se vós não sereis minha
Vós não sereis de mais ninguém"
Vós não sereis de mais ninguém"
(O que é bom para o dono é bom para a voz
O que é bom para o dono é bom para vós
O que é bom para o dono é bom para nós)
O que é bom para o dono é bom para vós
O que é bom para o dono é bom para nós)