quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

No meio do caminho




No meio do Caminho
Ângela Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha Letícia
tinha Letícia no meio do caminho
tinha Letícia
no meio do caminho tinha Letícia.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha Letícia
tinha Letícia no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma Letícia.


Ai! Tira a Letícia do meio do jogo
Essa desgramada não larga do ninho
Tira Ângela do meio do jogo
E o fantasma vai embora sozinho


Fim das Coisas
Carlos Drummond de Andrade

Fechado o Cinema Odeon, na Rua da Bahia.
Fechado para sempre.
Não é possível, minha mocidade
fecha com ele um pouco.
Não amadureci ainda bastante
para aceitar a morte das coisas
que minhas coisas são, sendo de outrem,
e até aplaudi-la, quando for o caso.
(Amadurecerei um dia?)
Não aceito, por enquanto, o Cinema Glória,
maior, mais americano, mais isso-e-aquilo.
Quero é o derrotado Cinema Odeon,
o miúdo, fora-de-moda Cinema Odeon.
A espera na sala de espera. A matinê
com Buck Jones, tombos, tiros, tramas.
A primeira sessão e a segunda sessão da noite.
A divina orquestra, mesmo não divina,
costumeira. O jornal da Fox. William S. Hart.
As meninas-de-família na platéia.
A impossível (sonhada) bolinação,
pobre sátiro em potencial.
Exijo em nome da lei ou fora da lei
que se reabram as portas e volte o passado
musical, waldemarpissilândico, sublime agora
que para sempre submerge em funeral de sombras
neste primeiro lutulento de janeiro
de 1928.

Fonte: http://drummond.memoriaviva.com.br/alguma-poesia/o-fim-das-coisas/

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